domingo, 3 de abril de 2011

Artigo: Senador Demóstenes no jornal Tribuna do Planalto



Do bullying ao Código Penal

Demóstenes Torres

As discussões infindáveis sobre a centena de motivos para os crimes às vezes esbarram nas cenas chocantes exibidas pela imprensa. Para as vítimas e seus familiares, o debate que interessa é o que fazer com o autor, não com a causa. Mas a própria população sabe que discurso, independentemente de quem o profira, não resolve. Uma questão que está acima disso passa pela experiência de vida de cada pessoa. Começa com o bullying na escola, o contato com álcool e outras drogas na adolescência e atinge o pico com a maioridade, onde cada trabalhador faz malabarismo para assegurar a sobrevivência de sua família.
Na última semana conversei com um promotor de Justiça muito meu amigo desde a época em que eu exercia a atividade no Nordeste goiano. Ele me contava abismado que 90% dos casos de júri envolvendo assassinatos nos quais ele trabalhou são frutos de ações disparadas por fortes emoções. O acusado mata pelo motivo mais fútil e em circunstâncias ímpares, como numa briga de trânsito ou por ciúmes num bar – da mesma forma que duas crianças brigam na escola por um jogo de futebol. Na maioria dos casos, autor e vítima têm bons antecedentes, são trabalhadores, cuidam bem dos filhos, mas, ainda assim, por um minuto de estupidez, acabam protagonistas de folhetim, com um na cadeia, outro no cemitério ou no hospital. Cidadãos exemplares com destino que não mereceram.
Nada mais lamentável que a morte, porém um arrimo de família também acaba se tornando criminoso. Não mata porque é pobre, como querem crer alguns arautos da vitimização do culpado e da culpabilidade da vítima. Pratica o delito porque toma a violência como uma resposta natural; e não é menos culpado por isso até porque quem sofre não é menos vítima por seu algoz ter biografia limpa. Ainda assim, é função do legislador tentar entender e solucionar esse paradoxo, sem apelar para as respostas fáceis da dialética. Juízo não se vende em farmácia.
Se o ponto está no preparo da sociedade para lidar com esses momentos de crise, nada melhor do que suporte educacional para tentar sanar o problema. Ou, ao menos, minorá-lo, na ótica de quem supõe a violência inerente ao homem, ainda mais vivendo em grupos. Por isso, apostei na escola de tempo integral, principal projeto que apresentei no Senado. É preciso garantir punição a infratores, mas primeiro é necessário assegurar que cada qual opte naturalmente por rejeitar a prática de crimes como a abominação que é.
Ninguém melhor para isso do que os professores, inclusive de dança e música, de informática, artes marciais, xadrez e outros esportes. O sucesso da escola em tempo integral depende deles, pois sem valorizar os profissionais de educação é impossível o projeto do ensino integral funcionar como almejado. No modelo vencedor, com êxito internacional, a estrutura da escola é impecável. E o nível de excelência vai além do prédio, biblioteca, laboratórios e aparato esportivo e cultural, mas também está no salário do professor e nas condições de trabalho, em estreita ligação com a família dos alunos. Por isso, quando um brasileiro chega em cidades do exterior pode se perguntar onde estão as crianças, pois é possível percorrer ruas e mais ruas sem encontrar absolutamente uma delas circulando, ainda que acompanhada de adultos. Por quê? Porque as crianças ficam o dia inteiro na escola. Assim, evita se envolver em violência, como vítima ou autor.
Se uma criança entra em turmas para praticar bullying, pichar muros e cabular aulas, é dever do colégio identificar e garantir atendimento psicológico, reforço escolar, acompanhamento em parceira com os pais. Em suma, que o menino e o jovem gastem energia e talento em algo produtivo.
Sim, existem os mais terríveis criminosos em todas as classes sociais e graus de instrução. Não é apenas uma questão de segurança pública, como citei no início deste texto. A educação é um imperativo social, o que impulsiona o país a sair do terceiro-mundismo intelectual e mostrar para o resto do mundo mais do que cenas de atrocidades. Apenas investindo na formação de nossas crianças, com a escola em tempo integral de qualidade, vamos conseguir, finalmente, exportar um pouco de humanidade.

Demóstenes Torres é procurador geral de Justiça e senador.

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