O governo tem muito a explicar às seis famílias que perderam os filhos jovens em Luziânia (GO). Nesses casos, como em tantos pelo Brasil, não houve fatalidade nem se pode desviar a discussão para eventual falha do Poder Judiciário. A origem da tragédia mora na decisão política do Planalto, um misto de queridismo penal com abandono do sistema penitenciário. A ideia é resolver o segundo com o primeiro, esvaziar as cadeias soltando presos de todos os níveis de periculosidade, pois é mais cômodo do que construir estabelecimentos prisionais de qualidade e em quantidade suficiente. O assassino confesso dos rapazes matou beneficiado pelo primeiro, e a bagunça do outro favoreceu sua própria morte.
Em 2003 o Ministério da Justiça impôs à bancada governista no Congresso Nacional a abolição do exame criminológico como condição para que presos obtivessem a progressão de regime de cumprimento de pena. Quando da discussão do projeto no Senado, o então procurador-geral de Justiça de São Paulo, Luiz Antônio Marrey, vaticinou que a "aprovação do fim do exame criminológico será um desastre para a segurança pública do País". O procurador estava certo. A realidade confirma que cresceu a criminalidade violenta e os indicadores de reincidência.
Vários parlamentares apresentaram projetos de lei objetivando o retorno do exame criminológico. O governo Lula, por sua base parlamentar, sistematicamente impede a evolução satisfatória do processo legislativo. Em 2007 o senador Gerson Camata propôs o Projeto de Lei n.º 75, que foi por mim relatado. Em junho do mesmo ano a matéria foi aprovada no Senado. Encaminhada à Câmara dos Deputados, até hoje não foi objeto de apreciação.
Outra iniciativa que conta com oposição governamental ferrenha é o monitoramento eletrônico, forma que entendo a mais eficiente para acompanhar quem escolheu o caminho da ilicitude e está cumprindo pena nos regimes aberto e semiaberto. Projeto nesse sentido, também relatado por mim, foi aprovado no Senado e na Câmara, onde recebeu modificações, e está novamente no Senado, para decisão final, há mais de um ano, aguardando votação.
Nas discussões acerca do exame criminológico e do monitoramento eletrônico, aflorou a sociologia canhestra dedicada a demonizar o instituto da pena, que se resume em descriminalizar as condutas, prender o mínimo de delinquentes e colocar em liberdade quem parecer bonzinho. Em consequência, o crime se estabeleceu até em cidades pequenas, enquanto as grandes estão se tornando inabitáveis. A resposta do governo a essas questões consiste em eliminar o rigor para a progressão de regime, liberar condenado para cometer crimes nas saídas temporárias de fim de ano e autorizar o uso de entorpecentes.
Some-se a omissão aos equívocos e eis o luto nos lares. Em nome dos direitos humanos, cometem atrocidades. Que parte das liberdades se fere ao deixar na cadeia um autor de crimes hediondos? Ou liberdade e direito humano são exclusividade dos desonestos? Prender é democrático. Regime fechado é, também, defesa dos direitos humanos e das liberdades de quem faz por merecê-los.
O trabalho de assistente social é nobre, mas deve ser exercido por quem tem formação adequada. Não é para juiz, promotor, policial ou ministro, que não deveriam se valer de seus conhecimentos para reforçar a política governamental de não prender. Durante audiência da CPI da Pedofilia, o autor dos assassinatos de Luziânia posou de maltratado na infância, piedoso, frágil, enfim, vitimou-se para fazer jus ao mesmo queridismo penal que proporcionou a sua soltura uma semana antes de matar o primeiro adolescente. O pior é que não falta autoridade a crer nessa encenação de que o criminoso é uma vítima da sociedade. Há mais de cem causas da criminalidade, e a social é apenas uma. A tese é tomada como o todo para satisfazer o fetichismo ideológico de quem imagina ser libertário abolir o direito penal.
Também é prejudicial à sociedade a desculpa de que cadeia não recupera, por ser "escola de crime" e "amontoado de gente" e que seria "inútil prender", pois não há compromisso de "ressocialização". Ora, o primeiro objetivo da sanção é prevenir e reprimir o crime. O teatro do eufemismo penal chegou a ponto de várias autoridades considerarem constrangedor para o "reeducando" usar pulseira ou tornozeleira com finalidade de se fazer o monitoramento eletrônico. Constrangedor é matar, roubar, estuprar e traficar.
A progressão de regime, como se encontra, é outro abuso institucionalizado, mas faltam votos no Parlamento para ao menos amenizá-la. O homicida de Luziânia foi condenado a 14 anos de prisão por abusar de duas crianças em Brasília. Preso em 2005, foi solto em 2009. Dois anos de prisão para cada criança molestada! Isso não é progressão de regime, é regressão da humanidade. Voltou ao crime uma semana depois de beneficiado pelas investidas do Executivo mantidas pelo Legislativo e acatadas com satisfação pelo Judiciário. Uma das razões para tirá-lo da cadeia foi o bom comportamento, mesmo diante de um laudo assegurando tratar-se de um psicopata e do parecer do Ministério Público afirmando o óbvio: não existe ex-estuprador. Ele não molestou enquanto esteve preso porque estava longe de menores. Não vai mais reincidir porque morreu, em nova falha do Estado, que deveria garantir sua integridade, até para a polícia tê-lo à disposição para novas investigações.
A taxa de recuperação de autores de crimes graves é baixa em todo o mundo. De pedófilos, então, é nula, daí a necessidade de mantê-los o maior tempo possível presos e, quando soltos, ter controle total sobre sua rotina. A turma da tibieza penal chama de terrorismo a exigência do exame criminológico, do monitoramento eletrônico e da progressão só a partir de 2/3 da pena para os crimes hediondos. Não. Isso se chama defesa da decência. Despenalizar, descriminalizar, afrouxar a execução penal e manter a balbúrdia no sistema penitenciário também têm nome: Adimar Jesus da Silva.
DEMÓSTENES TORRES É PROCURADOR DE JUSTIÇA E SENADOR (DEM/GO)
Senador Demóstenes, sinceramente, eu não sei o que vai acontecer com o povo pobre do Brasil, mas sei que com relação ao povo rico, por enquanto está tudo bem e, isso, talvez, se deva a capacidade de morar em condomínios fechados e de contratar segurança privada. O povo pobre está ao Deus dará. A ONU recomenda 1 policial para 250 habitantes,essa proporcionalidade é questionada e dizem até que se trata de mais uma falácia. Paralelamente, eu a aceitaria, uma vez que policiais deveriam pulverizar as ruas, praças e avenidas, pois, a simples presença, já provocaria o dissuador psicológico. Entretanto, pelo que se vê o contingente deve estar diminuindo, provavelmente, em face da contenção de despesas. Destarte, tempos atrás encaminhei mensagem à autoridade paulista sobre o aumento de salários dos policiais militares. A autoridade respondeu que o governo, infelizmente, se esbarrava na “lei de responsabilidade fiscal”. Meu Deus, por que alguns governos resistem investir na segurança pública? Eu penso que investir na segurança teria custo menor se comparado ao custo dos prejuízos enfrentados, diuturnamente, pelos cidadãos e cidadãs desse Brasil afora. Na verdade, se levar em conta que os brasileiros pagam o mais alto imposto do mundo, não justifica o descaso. Eu quero testemunhar os candidatos e candidatas aos governos dos estados, a presidência do Brasil, bem como ao legislativo levantarem a bandeira da segurança pública prometendo melhoria. Na minha opinião melhor seria não prometerem mais nada, pois, dessa forma estariam coerentes com a última década, ou seja, não fizeram nada. Em tempo: os jovens de Luziânia e o infrator da lei foram vítimas de um sistema de gestão falido que assola o país aos quatro cantos. Desculpas pelo desabafo no seu blog, mas, sinceramente, onde está o ESTADO?
ResponderExcluirParabéns, senador Demóstenes Torres. Excelente artigo. Ótima argumentação. O senhor mais uma vez defende - e age por - providências inquestionavelmente necessárias para que tenhamos mais segurança. O caso do maníaco de Luziânia mostra o quão frágil e esquizofrênica é a atual legislação penal. Parabéns pelo seu brilhantismo e lucidez. Um abraço do Edmar Oliveira
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