domingo, 19 de junho de 2011

Artigo: Demóstenes no jornal Tribuna do Planalto


A suspeita entra em campo

A presidente Dilma Rousseff mandou para o Congresso uma medida provisória, aprovada quinta-feira 17 na Câmara, que flexibilizará as licitações para as obras da Copa do Mundo em 2014. Não é flex como nos combustíveis, que fazem o carro andar seja com álcool ou gasolina. O óleo de fazer construção andar será o superfaturamento, travestido de aditivos ou o nome com o qual quiserem batizar a corrupção. Flexível, âmbito das concorrências, é sinônimo de toma-lá, dá-cá. No dicionário da promiscuidade entre governo e fornecedores, flexível significa a companheirada multiplicando o patrimônio.

Medida Provisória deveria ser urgente e relevante, acudir o chefe do Executivo em situações-chave para o País. Virou um monstro com barriga de aluguel. Dentro do Frankenstein, o governo insere larva, com o desejo de passar despercebida. Às vezes, ninguém nota mesmo, pois é ardil de profissionais no desvio. Mas na maioria dos casos a aprovação se dá via trator. Foi o que ocorreu no caso da Copa.

A proposta não apenas evidencia a falta de planejamento do governo, que já gastou mais da metade do tempo para apresentar ao mundo os palcos do evento, mas também a facilidade com que abre-se espaço para a corrupção. Ainda em 2009, a estimativa de gastos nas arenas das cidades-sedes já havia subiu 67% e atingiu R$ 3,71 bilhões – com a falta de transparência das licitações, ninguém sabe o real fundo do poço. Ressalte-se: apenas com os estádios.

Para completar a farra, o governo fez outro gol contra a probidade, além de chutar na trave o respeito às instituições. Num simples ofício, como se pedisse para consertar uma cadeira, avisou ao Tribunal de Contas da União que só divulgará os gastos com obras de acordo com a "conveniência" do Poder Executivo. Ou seja, pode fazer o que quiser e explicar se tiver vontade. A decisão contraria a promessa do ex-presidente Lula: "Todos os gastos públicos (com as obras da Copa) serão acompanhados pela internet por qualquer cidadão brasileiro ou do mundo todo". Agora os únicos que terão acesso aos reais valores das obras são empreiteiras e clientes de consultores com fortes ligações oficiais.

Parece um jeito atabalhoado de ingênuos. De forma alguma. São especialistas em dar o nó nas leis, doutores em tática de arrombar cofres e sair como heróis. Foram adiando até a corda ficar completamente esticada. Com o atraso, as obras terão de ser feitas a toque de caixa. O argumento da pressa gerou a MP e a falta de argumento para explicar os desvios gerou o ofício ao TCU.

É tudo engendrado. Treinaram naqueles Jogos Pan-Americanos em que Lula foi vaiado e estão arquitetando os grandes lances. Com a MP, saem do impedimento de detalhes como menor preço, qualidade, prazo. Negando-se a prestar contas ao tribunal, dão um chapéu nos embargos por irregularidades. Ao fim dos 90 minutos, o erário terá sido derrotado. Na prorrogação, os envolvidos carregam metade do total investido (as obras já quase dobraram de preço). Começa a cobrança de pênaltis, chamam alguém honesto para cobrar, mas o Probo sequer foi escalado, em seu lugar entrou o Secreto.

Metáforas e outras figuras esportivas caras a Lula são inevitáveis ao se falar em seu time predileto, o Esporte Clube Suspeição. Quando Dilma entrou em campo, vestiu a mesma camisa 13 do antecessor, sem mudar a estratégia: licitação flexível e conta secreta são sempre suspeitas. Por isso, a Seleção Brasileira vai disputar a Copa por sediá-la, mas o Brasil da Honestidade foi desclassificado antes de a bola rolar.

Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)

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