domingo, 26 de junho de 2011

Artigo: Demóstenes no jornal Tribuna do Planalto


O bilionário silêncio barulhento

O governo vive o paradoxo de torrar em publicidade R$ 961 milhões em cada dos últimos oito anos e aderir ao ocultismo. Mudou a face do poder, mas a cara-dura continua, agora ampliada: previu no orçamento de 2011 fatia de R$ 1,1 bilhão em anúncios e oficializou-se como esconderijo de informações. Pretende, por medida provisória e negaceios ao TCU, manter o silêncio e o bel-prazer acerca de licitações da Copa do Mundo de 2014. O que não está no cronograma palaciano é que brasileiros e turistas de todo o mundo vão testemunhar in loco o que de concreto existe além da propaganda oficial.

A falta de transparência é uma resposta vazia para a incompetência na execução dos projetos e nociva para a probidade administrativa. O caminho foi trilhado por outros anfitriões também ineficazes no cronograma da Fifa e aprovaram legislação exclusiva para erguer os prédios – e com resultados preocupantes. O caso mais próximo e péssimo exemplo é o da África do Sul. Relatório do Instituto de Estudos de Segurança detalha um estouro de 700% nas construções. Saltaram de US$ 300 milhões para US$ 2,1 bilhões entre 2004 e 2010.

Nisso, o Brasil empata com a recente sede sem tentar mudar as regras dos contratos. Como escrevi aqui nesta Tribuna na semana passada, a estimativa de investimento nas arenas subiu 67% e atingiu R$ 3,71 bilhões em 2009. Passaram-se dois anos e o descalabro não cessa, mas o crescente aumento dos valores previstos é uma das muitas pontas do imbróglio. A mudança no texto legal demonstra que os "organizadores" não fizeram a lição de casa e se veem obrigados a voar.

Para evitar uma vergonha em escala global, o governo lança mão de um patriotismo canhestro nas negociações com o Congresso. Na visão do ministro dos Esportes, Orlando Silva, quem não votar a favor do regime diferenciado nos contratos (o RDC, nova sigla das suspeições) torce contra o êxito do Brasil. Turvar a explicação dos gastos públicos para entregar tudo antes do apito é apoiar a pilhagem do país para omitir o fracasso do poder público. É como se o governo quisesse esconder sob o meião a fratura de um atleta, ainda que todos vejam sua impossibilidade de parar em pé.

O desespero atual poderia inexistir se Lula escutasse menos o próprio ego e mais o que lhe entra pelas orelhas, inclusive dito pela própria boca. Repetia que a receita de preparar o país para a Copa é eleger prioridades. Só que antecessor e sucessora priorizaram apenas as suas eleições. A autoglorificação ganhou a disputa e, unicamente para conservar popularidade, desperdiçou em divulgação o dobro de recursos necessários para concluir os estádios – se é que vão terminá-los a tempo sem dar cartão vermelho para a probidade.

O desafio é maior para Dilma. A inapetência e a ausência de planejamento são as mesmas, mas ela não foi beneficiada pelo calendário como o seu antecessor, que não lidou com evento desse porte – Lula teve o Pan, de menor envergadura e no qual sobraram ineficiência e roubalheira. Daqui a dois anos, o chute inicial será dado na Copa das Confederações, meses depois será a Copa do Mundo e a população verá a dura realidade fora dos cartazes oficiais. Insistir para ter o direito de fazer o que bem entender sem prestar contas não é uma saída. As obras estão atrasadas, mas ainda é possível fazê-las sem roubar, clareando cada centavo. Isso é torcer para o sucesso do Brasil, o contrário é esperar aviões de papel pousando em maquetes.

Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)

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