terça-feira, 9 de novembro de 2010

Primeiro suplente de Demóstenes recebe título de cidadão anapolino

O primeiro suplente do senador Demóstenes, Wilder Moraes, recebe nesta quinta-feira, às 19h30 na Câmara Municipal de Anápolis, o título de cidadão anapolino. O Jornalista Nilson Gomes escreveu para o jornal Opção uma biografia do empresário, natural de Taquaral. Para ler o texto na íntegra, basta clicar em "mais informações".

NILSON GOMES - Especial para o Jornal Opção 

Pedrinho era um menino muito doente. Morava na roça em que trabalhava o pai, Natalino Alberto. Ir à cidade era um custo, arriar o cavalo, botar na carroça e olha o dia de serviço do casal Morais se esvaindo rumo a Taquaral, cidade então com poucas centenas de moradores, a 70km de Goiânia. O médico Sidney Aratake, anjo da guarda da família Morais e de todas as outras do município, recebia o pequeno cliente sem saber que era usado como espelho. E Pedrinho ia, e Pedrinho voltava, e olha o Pedrinho lá de novo. A mãe, Maria Angélica, lembra que, no entra-e-sai do hospital, o menino começou a andar quando estava com um ano e meio, “já tinha até nascido o novo irmão”. Pedrinho era o segundo da prole de cinco, sustentada com mais custo ainda no suor campesino. Nesta terça-feira, 29 de junho, Pedrinho completa 42 anos de idade, 20 como engenheiro civil, 12 à frente de uma das mais inovadoras construtoras de obras particulares do País, com 4 mil funcionários no Brasil, atuação em cinco nações de três continentes. Mas até Pedrinho chegar a ser o empresário Wilder Pedro de Morais aconteceu muita coisa, tanta coisa que dá um livro sobre a vida de superação e determinação. 

Natalino mantinha a média de 18 meses para o surgimento dos herdeiros. O irmão que antecedeu Pedrinho foi Wenes, vítima de um acidente doméstico: aos 5 anos, caiu sobre uma faca, que lhe cortou a jugular. A família mudou-se para a cidade, onde dona Angélica foi sustentar a casa no pé da máquina de costura e seu Natalino se virava gambirando bicicleta, trabalhando aqui e ali, fazendo bicos para todo lado. Pedrinho tinha 8 anos quando quase a família perde mais um menino: ficou seis meses com encefalite, ninguém sabia a origem do vírus, mas o menino novamente escapou. Magrinho, magrinho, quase sumindo. Ainda assim, esquelético, dona Angélica não se lembra de tê-lo visto lamentar a doença, chorar por não conseguir acompanhar os colegas. Ao contrário, era o primeiro nas danuras, explorou todos os córregos do município, nadando e pescando lambaris. Criou os brinquedos mais surreais que se poderia imaginar, bastava-lhe uma lata de óleo ou uma sandália velha. 

A criatividade forçada pela pobreza lhe seria útil em todos os passos, porque demorou a andar, mas quando começou não parava mais. Cadê o Pedrinho?, tá ali caindo de bicicleta trocentas vezes antes de aprender a andar. Cadê o Pedrinho?, foi furtar frutas no quintal do advogado Davi Dutra. Opa!, aí entra mais um doutor usado como espelho. O pé ligeiro do menino também lhe seria utilíssimo. A família Morais, sem-teto e sem nada, mudava em média uma gestação. Nove meses morando num casebre e eis o dono querendo o imóvel e tome prateleira e beliche na cabeça dos Morais. Pedrinho morou em Taquaral até os 14 anos, descontam-se os quatro de roça, sobram dez, e se lembra de ter mudado 24 vezes. Pedrinho, já o maior e mais velho, segurava na cabeceira da cama, a parte mais pesado; um mais novo pegava no lado dos pés, e tocavam para o novo endereço. 

Dona Angélica ri quando conta os causos das mudanças. Era a tal da mala e cuia, nada de sofisticação, só menino, um pote, cachorro, trecos e cacarecos. Hoje Taquaral é uma cidade organizada, bonita, com fábricas de roupas, exporta lingerie para países como a China. Mas na década de 70 do século passado emprego para filho de pobre era na roça em que trabalhasse o pai. Assim ocorreu com Pedrinho, com uma diferença: já lhe sobressaía o espírito empreendedor (plantava alho e logo estava contratando mão-de-obra) e o sonho de ser engenheiro. Como queria ser engenheiro se não havia em Taquaral ninguém com essa profissão? Wilder responde lembrando uma história: 

Um rapaz de Goiânia casou-se com a filha de um rico fazendeiro de Taquaral. Mas logo o moço da capital estava mais rico que o sogro. Os habitantes de Taquaral duvidavam de em tão rápida trajetória alguém juntar semelhante quantia. O genro do fazendeiro conseguiu. E aí surge o terceiro espelho. Pedrinho passou a querer virar doutor como o médico Aratake e o advogado Dutra e a sonhar com o desenvolvimento financeiro alcançado pelo rapaz da Capital. Para juntar os dois progressos, obviamente, só sendo doutor e morando em Goiânia. Contava e divertia a plateia, que gargalhava com as quimeras do magricela. 

Enquanto não se realizava como doutor e rico, se contentava em comprar uma bicicleta. Tinha 12 anos e estava grandão e magrinho quando foi trabalhar numa loja de fertilizantes. Não demorou para ver que para adubar seu futuro teria de aprender algo para competir no mercado de trabalho. Bom, mas ganhou o suficiente para adquirir sua versão feminina: pá, comprou uma magrela grandona, a tal bicicleta, Monark, vinho. Mas não uma comum, que qualquer um na cidade tinha. A sua dispunha de marcha e mil diferentes atrativos e o que não tinha ele arranjava. Kitsch aos olhos de hoje, chiquérrima na Taquaral de 30 anos atrás, para inveja da molecada e suspiro das gatinhas. Carregou alguma na garupa? “Só irmã e prima.” 

Realizada, a meta da bike tornou-se pequena. Queria andar sobre duas rodas, mas com motor em vez de perna. Aos 14 anos se pendurava sobre uma velha Suzuki, para desespero da mãe, que temia os tombos, e dos moradores de Taquaral, que temiam os atropelamentos. Mas não era isso que desejava, acelerar as cem cilindradas, queria cavalgar as nuvens, ser engenheiro. E quem ouvia voltava a gargalhar. Aí entra outro personagem, não na qualidade de espelho, sim para refletir as qualidades do adolescente Pedrinho. Era Zezinho, um rapazote recém-chegado, que aos 17 anos se arribara de Nerópolis para se instalar em Taquaral com meia dúzia de três ou quatro máquinas de escrever. Dona Angélica matriculou o filho na Escola Elite de Datilografia. Bom, para quem almejava ser engenheiro e rico, ao menos à elite chegara. Pedrinho e Zezinho estudaram juntos na escola estadual Princesa Isabel, mas na datilografia o segundo era o professor. Os diminutivos se tornaram inseparáveis como dupla e permaneceriam amigos nas décadas seguintes, sobreviventes da fome, a fome, a iniludível, a indesejada das gentes, a morte em vida. 

Pedrinho terminou o curso de datilografia junto com o primeiro ano do segundo grau, hoje ensino médio. Os amigos inseparáveis se separaram, porque, como ele, os demais jovens de Taquaral haviam concluído o treinamento e Zezinho teve de levantar acampamento. Onde ir? Inhumas era grandinha, mas já contava concorrentes. Juntou as máquinas de escrever e rumou para Itauçu. Pedrinho pediu licença aos pais e visitou o amigo na cidade vizinha. Conversaram e se convenceram de que Pedrinho deveria mesmo mudar. Não, por enquanto, Goiânia, não, um pulo de cada vez que um caminho de mil léguas começa com o primeiro passo, rezam os livros de autoajuda, tão caros a Wilder desde que era Pedrinho. E mudou-se para... Itauçu, claro, onde estava Zezinho. Foram passar fome juntos. A crise era tão feia que o padrasto de Zezinho pedia esmola na rua para colaborar no sustento. Os dois amigos, inseparáveis, lutando pela vida e o pão, pouco conseguiam deste, mas ainda tinham muito daquela. 

Bom, já que era para passar fome, que ao menos fosse onde houvesse faculdade de Engenharia. O sujeito em Itauçu, sem ter a marmita com a ração diária e se metendo a esporear nuvens. Conversaram e se convenceram, vamos para Goiânia, porque lá o que não falta é dedo para catar em máquina e esperança para quem cata sonhos com todos os dedos. Falou com seu Natalino, bateu o pé que não deixava, que isso não é lugar de rapaz tão novo, que voltasse para Taquaral, pois estava indo tão bem, já havia conseguido até moto. Falou com dona Angélica e a reação da mãe o fez viver a cena que voltaria a ver no filme “Dois filhos de Francisco”: nosso filho criou asas, quer voar, vamos permitir, Natalino, que a gente segura as lágrimas, mas não segura os sonhos. Antes de as lágrimas secarem, os sonhos ganhavam a direção de Goiânia. 

A Escola Elite de Datilografia, como a Junta Comercial não chegou a ser avisada, se abancou na Rua C-160, perto da T-9, no Jardim América. Era o dia 21 de julho de 1985. Pedrinho não pode dizer que mudou de mala e cuia porque nunca tiveram mala, só as cuias. Não se surpreendeu com a situação dos barracões que teve de suportar em Goiânia porque em Taquaral todas as 25 casas em que morou não tinham banheiro, não tinham porta no quarto, não tinham piso cimentado, pintura, esses confortos. Passou a estudar no colégio do bairro, para continuar o segundo grau. Emprego, que é bom, nada. Dava aulas de datilografia, mas o negócio estava cada vez pior, a pouca renda mal dava para os aluguéis do estabelecimento comercial e do barracão. Rifaram o barracão e se instalaram no que poderia ser rebatizada de Dormitório e Escola de Datilografia Elite. 

Pedrinho desenvolveu habilidades gastronômicas no fogareiro das quais hoje ri o chef Wilder, um craque na cozinha. Nem de cozinha dispunha, o fogão de duas bocas poderia ficar em cima da pia, porque o interesse era alimentar as duas bocas, mas não as do fogão. Entrou em cena novamente o espírito empreendedor do menino de Taquaral, a quem faltava comida no estômago, mas sempre sobrou ação no cérebro. Falava com os colegas de aula, indicava para a vizinhança e a corporação Elite começou a ganhar forma. Ficou sabendo que um dono de três escolas de datilografia queria vender as engenhocas por antever que suas máquinas de escrever manuais logo seriam superadas por elétricas e estas, pelos computadores. O altão magricela, sem um tostão no bolso, trucou o empresário, que na verdade passaria as escolas para frente sabendo que estaria passando o comprador para trás. Poucas demonstrações de lábia de Pedrinho depois e o ex-falido em Itauçu virou dono de uma rede de escolas de datilografia. Não era um Di Gênio, mas estava na capital e seu patrimônio se multiplicara. 

Uma das filiais do grupo era na Avenida Goiás e, como para muitos do interior à época o Centro de Goiânia era o umbigo do mundo, Pedrinho pôs as roupas nas sacolas (continuava sem mala) e deixou o amigo no Jardim América. Em vez do umbigo, a escola era sediada no cotovelo do mundo: uma saleta num prédio abandonado. Zezinho relembra que o amigo teve medo até de entrar. Seus vizinhos eram cheiradores de cola, batedores de carteira, prostitutas de baixíssimo cachê e outros espécimes do gênero. Dos 20 andares do Edifício São Judas Tadeu, apenas dois funcionavam. A área construída ocupada pelo estabelecimento preenchia confortáveis 12 metros quadrados, divididos entre as quatro mesas e quatro máquinas de datilografia e um armário que abrigava as fichas dos alunos. O colchão de Pedrinho tinha 5 centímetros e não podia ser mais grosso porque também ele, o colchão, era escondido no armário das fichas. E "as duas parêia" de roupa? Igualmente. 

O ambiente inóspito do prédio, o frio que perspassava o colchão e a pouca alimentação moeram-lhe a resistência física. Que nem era tanta. Voltou a adoecer. Mas não esmorecia. No novo endereço sobrava um problema suplementar: não havia como criar sequer um simulacro de cozinha. Quando morava com o amigo no Jardim América, trazia de Taquaral alguns itens necessários para preencher as tripas. No São Judas, conta, “a pele delas encostava”. Sua média de refeição era de uma por dia. Até pensou, mas não podia colocar também um fogareiro no armário das fichas e do colchão. 

Apesar das dificuldades, jamais ficou um dia sem estudar. Outro bairro de trabalho, outra escola. Transferiu-se para o colégio estadual Rui Barbosa, no Centro de Goiânia. Ao concluir o segundo grau, ganhou da mãe um presente cujo preço é o infinito: ela iria pegar ainda mais costuras, trabalhar ainda mais, para sustentá-lo enquanto fizesse um curso pré-vestibular. E que ele escolhesse um bom preparatório, pois ela acreditava em seu futuro. É, mas além da família, quase ninguém depositava fé em suas aspirações. Natalino chegava em casa fulo da vida com as gozações dos amigos. Engenheiro? Quiá, quiá, quiá. O filho dele quer ser engenheiro? Quiá, quiá, quiá. Onde já se viu um moleque de Taquaral, filho de um lavrador com uma costureira, querendo ser doutor como Aratake e Dutra... Aliás, Natalino, se ele for engenheiro, vai fazer engenho pra moer cana e dar pinga pra nóis, né? Quiá, quiá, quiá. 

As piadas aumentaram porque o sonho se distanciava. Prestou vestibular nas universidades Católica e Federal de Goiás. Nada. E olhe que o preparatório escolhido foi o Objetivo, o preferido da elite (não a zelite, de Lula, ou a Elite de Zezinho). Passou mais seis meses estudando dia e noite, aprendendo o que realmente precisava para os exames, pois nas escolas públicas não vira disciplinas como física, química e biologia, fundamentais no vestibular. Decorou as apostilas do Objetivo. Todas. Podia perguntar o que quisesse. Respondia sem pestanejar. Passou na Católica, hoje PUC, 14 por vaga. Festa na casinhola dos Morais, mas não para Pedrinho. Ele continuava morando num pardieiro, dividindo o chão com ratos e o colchão com o frio. 

Arrumar o dinheiro da matrícula foi uma encrenca. Pronto, entrou, é acadêmico. Zezinho tinha crédito e compraram em seu nome umas roupas (na verdade, só duas peças, calça e camisa) para o universitário. Num dos primeiros dias de aula, viu na parede do básico da UCG um cartaz anunciando estágio para estudantes de engenharia. A empresa era uma das grandes goianas, a Construsan. Salário: mínimo. Expectativa de Pedrinho: máxima. E nesse ponto da história viram-se duas páginas, Pedrinho ganha o apelido de Taquaral, porque toda conversa tinha personagens da cidade natal, e Taquaral (o rapaz, não o município) começa a se transformar em doutor como Dutra e Aratake. Os tempos de fome estão no fim. Mas a crise, não. 

Aceito como estagiário na Construsan, Taquaral continuava morando no mocó, dormindo no chão, sem dinheiro para o material escolar. Zezinho se recorda da confusão vivida por ambos para comprar uma calculadora, essencial nos estudos de engenharia, simples para a média dos estudantes, inacessível para Taquaral. Foram ao Fujioka e eis uma nova prestação no nome de Zezinho. Em horários e locais diferentes, nos quais concederam entrevistas, ambos se emocionam com as lembranças. Os olhos se enchem ao falar da barriga vazia, as lágrimas irrigam os sulcos abertos pelo sol da lavoura. Mas Wilder não interrompe a fala, não se apieda, não quer a dó do interlocutor nem que sua história leve alguém ao choro. E abre o capítulo de sua estreia como vencedor, cujo marco seria uma cena trivial. 

Como estagiário, trabalhava na construção do edifício Santa Bárbara, obra da Construsan próximo à Avenida Anhanguera, Setor Universitário. Numa tarde de sexta-feira, todo mundo foi saindo rumo ao fim de semana e ele foi ficando, foi ficando, esperou o guarda chegar, nada do guarda, foi ficando. E ficou. O vigia não apareceu e Taquaral não arredou pé da obra. E foi ficando. Deu meia-noite. No térreo, o braço da incorporadora havia instalado um stand de venda dos apartamentos. Havia um sofazinho para receber os clientes do prédio na planta. Esticou-se e dormiu. Para quem estava acostumado com os insetos do São Judas e o frio dos pisos, até que era confortável. Sábado de manhã, novamente ninguém deu as caras. E Taquaral foi ficando. E ficou o dia inteiro. Chegou a noite, mas não chegou o guarda. E Taquaral foi ficando. E ficou a noite inteira. 

Na manhã de domingo, Taquaral continuava de serviço no Santa Bárbara quando recebeu uma visita ilustre. Era hábito do dono da Construsan, Alexandre Barros, conferir as obras tocadas pela empresa. Calhou de o proprietário, que gentilmente chamava estagiário de engenheiro, buzinar na frente do prédio. Taquaral foi atender. Quando viu o empregado, Alexandre fez a pergunta óbvia: “O que você está fazendo aqui?”. Ouviu a história como narrada aqui. O empresário ligou para o encarregado da obra, que deu as explicações de praxe, mas o certo é que as duas noites puseram em exposição não apenas o apartamento decorado para a clientela se interessar: expuseram qualidades do estagiário nas quais o patrão se interessou. E decorou o feito do empregado. E Taquaral, que antes era Zezinho, começou a virar doutor Wilder, sem doutorado como Aratake e Dutra, mas doutor autenticado pelo povo. 

De um salário mínimo, que não cobria sequer as despesas elementares de transporte, Wilder mereceu aumento triplicado. Adeus, barriga vazia. Tchau, São Judas Tadeu, que já não tinha mais a Escola Elite de Datilografia, pois o CEO da rede de estabelecimentos, Zezinho, havia se casado e mudado para Nerópolis. Dona Angélica, que trabalhava nos sete dias da semana costurando para ajudar o filho acadêmico em Goiânia, ganhava um refresco. Já não precisava trazer da casa dos pais os produtos alimentícios que rasgavam as sacolas das Lojas Americanas. A generosa mãe lotava tanto que as alças não resistiam. Mas Wilder mantinha na carteira o pepino que o acompanhava desde a matrícula: o crédito educativo, embrião do FIES, um financiamento da Caixa Econômica Federal. Para conseguir o crédito educativo, bastava comprovar que o estudante não precisava do crédito educativo. Era tanto papel, tanto carimbo, tanta garantia, tanto aval que a maioria se deixava vencer. Não um vencedor como Wilder. 

No semestre inaugural, contou com João Batista da Silva, amigo de república. Como a novela se repetia a cada seis meses, foi atrás do doutor Davi Dutra, um dos espelhos, aquele das frutas furtadas. O dramalhão se estendeu até o fim do curso. Mas até o fim do curso chegar seu Natalino ouviu muitos gracejos. Ainda mais que a coisa melhorou um tiquinho e estava dirigindo táxi. Cada passageiro, uma anedota sobre engenheiro, quiá, quiá, quiá. O menino que escapara das doenças, da fome e do frio, não escapava da descrença de alguns conterrâneos. E eles tinham razão, pois a cada volta de Wilder a Taquaral se revelava ainda em pior estado. Do alto de seu 1,85m, quando estava gordo pesava 57 quilos, mas ficou mais tempo com 54. Não era anorexia, era fome mesmo. 

Wilder não se lixava para as conversas e se mantinha sonhador. Mas de calculadora e caderneta na mão. Quando terminou o curso de Engenharia Civil, havia ajudado a construir três prédios. De cada prédio, sabia tintim por tintim, cada despesa, cada prego, o preço de cada metro de concreto, tudo, tudo. O responsável técnico pela obra talvez não tivesse os dados, mas o estagiário os possuía. A frase mais ouvida era “pergunte ao Wilder”. E ele sabia mesmo. O patrão, também. Somada a determinação ao detalhismo e à competência do estagiário, concluiu a faculdade e imediatamente foi admitido como engenheiro. Não parou de erguer prédios nem de subir internamente na Construsan. Quando entrou na faculdade, delineou o plano de ficar cinco anos como estagiário e mais cinco de profissional empregado. Dez anos após ser calouro, seria dono de construtora, passaria da lista de aprovados no vestibular para o rol da Junta Comercial. Deram-se os cinco anos, pediu para sair. O patrão não topou. Acordaram em 5% de participação na empresa, o que seria um sonho para qualquer um. Não para Wilder. 

Ficou onze anos na Construsan, saiu ocupando o cargo máximo, o de diretor-presidente. Diz que a empresa de Alexandre Barros foi sua escola, nela aprendeu a administrar, a vender, a empreender. Mas um empreendedor empregado é um ser incompleto. E saiu da Construsan. Juntou-se a dois colegas de faculdade, Aldo Caetano e Salon Batista, montou a própria firma de engenharia. Na hora de batizar, Wilder riscou diversos nomes. Queria algo pequeno, duas sílabas, máximo de quatro letras. Ploft!, caiu-lhe o nome da baleia assassina, que não é baleia nem assassina. Lembrou de Moby Dick, o cachalote que venceu os predadores. Pronto, é grande, e ele nunca pensou pequeno; é forte, e ele em tempo algum se rendeu às fraquezas; é rápido, e ele jamais foi lerdo; é Orca. E Orca hoje encima um conglomerado de duas dezenas de empresas, que vão de shoppings a pedreiras. Além de todo o Brasil, o grupo está presente na Índia, no México e na Colômbia. Agora, começa a fincar prédios na Argentina. 

Seus mais de 4 mil funcionários já fizeram 1 milhão de metros quadrados desde 15 de abril de 1998, quando a Orca foi fundada, num terreno em Aparecida, na região metropolitana de Goiânia. Média de um prédio por mês. Mas a principal obra de Wilder não são essas, é continuar sendo o menino simples da roça, o Pedrinho de Taquaral, o Taquaral do cursinho, o estagiário que vigiava obra. Dirige o próprio carro. Não tem frescuras ou salamaleques. Não finge a polidez fake dos novos-ricos. Não é afetado. Não fala chiado (goiano quando começa a ganhar dinheiro ou a se sentir poderoso logo dá uma de carioca). É simples no trato, simplório no vocabulário, simplesmente humilde. Enfim, realiza seus sonhos sem querer que outras pessoas caiam em pesadelo. Ao contrário. É benemérito em diversas ações, que pede para não citar, mas o amigo Zezinho revela: “Ele arrumou a vida de todo mundo”. 

Por “todo mundo” entenda-se o pessoal da velha guarda, do tempo da fome e do frio. O próprio Zezinho é um exemplo. Desde o casamento, o dono da Escola Elite de Datilografia voltara para Nerópolis com o intuito de trabalhar na chácara do sogro. Nunca saiu do sítio nem da mesmice. Ao abrir a Orca, Wilder pegou o carro e foi procurar o amigo no município vizinho. Depois de muito pergunta aqui, indaga acolá, o encontrou numa casa sem reboco na periferia de Nerópolis. Contou que estava montando uma empresa, que construiria no pátio uma casa para Zezinho e a família e que financiaria seus estudos. Era o sonhador dando guarida para o sonho do amigo. E lá se foi Zezinho de mala, cuia e poucos apetrechos mais. Hoje, Zezinho é o doutor José Alves de Queiroz, diretor jurídico da holding Orca. É o único na direção da empresa que chama o patrão de Pedrinho. 

Os beneficiados de Wilder em Taquaral contam-se às dezenas, mas ele prefere não mencionar nomes: “Só retribuí”. Lembram da Princesa Isabel, a escola que o libertou para a Educação? Pois ali já foi homenageado, dado como modelo do tipo “quem estuda, prospera”. Mesmo muito estudioso, na definição dos amigos, Wilder diz que nada supera a determinação. Acompanhado de outros adjetivos, “o determinado faz acontecer”. Inclusive, a proeza de continuar simples. Seu pai continua taxista em Taquaral, por dois motivos: assim como o filho continua simples, seu Natalino quer continuar taxista e continuar morando em Taquaral. Até porque sua principal obra é um show de engenharia: Wilder Pedro de Morais. 


Ah, Wilder deve ser suplente do senador Demóstenes Torres (DEM), candidato à reeleição. 

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