quinta-feira, 24 de março de 2011

Artigo: Demóstenes no Blog do Noblat


Simpatia é quase tudo

O presidente dos Estados Unidos é verdadeiramente um talento do espetáculo político do século 21. Proprietário de uma oratória pausada e precisa, sabe fazer do estilo empertigado e da voz de bacharel discurso que encanta as multidões. Embora tenha perdido popularidade até entre os yuppies de Nova York e provavelmente deva encarar uma reeleição dificílima no próximo ano, no âmbito tupiniquim Obama fez amigos e conquistou as pessoas. Agradou geral ao ponto de poder ser considerado um ianque bossa-nova.

Com que gentileza pronunciou várias construçõs verbais em português! Como foi agradável quando vinculou o aconchego materno do lar à obra de Vinícius de Moraes para ato contínuo mexer com os brios do “País tropical abençoado por Deus e bonito por natureza”. Saudou a cidade maravilhosa com brilho nos olhos. Depois transmitiu emoção sincera a ponto de anular qualquer reação antiamericana nos corações vermelhos dos convivas tipo esquerda zona sul que conseguiram o privilégio de obter assento na seleta plateia que lotou o Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Como em um rito de passagem não estava mais naquele púlpito a triste figura do patrão-geral do capitalismo selvagem que normalmente inspira o presidente dos Estados Unidos, mas espécie de libertador. Ao descrever o ambiente do litoral carioca, Obama pareceu um Pero Vaz de Caminha a narrar a exuberância das matas, raças, águas e colinas. Não mostrou ter samba no pé, no entanto reagiu com sensibilidade natural quando ouviu os tambores anunciar o quanto é forte a afrodescendência que nos une. Agora é o 12º jogador do Flamengo em campo e exaltou a instituição favela, o mais novo bastião do politicamente correto brasileiro.

Barack Obama mostrou mesmo o seu grande talento retórico quando vaticinou que o futuro chegou ao País da esperança. Sim, era preciso que alguém do porte, da elegância e da bondade de um Barack Obama nos esclarecesse que o futuro, nosso mítico objeto do desejo, já havia se materializado e que poderia ser elemento de gozo e fruição desta gente bronzeada e de muito valor. Thank you, Obama, thank you!

Terminado o regozijo da visita ilustre, é hora de defrontar a realidade. Em primeiro lugar, vejo com otimismo responsável e até mesmo contido os acenos protocolares de cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos. No setor energético, por exemplo, não foi dessa vez que se experimentou avanço no que mais nos interessa que é abertura do mercado da metrópole aos combustíveis renováveis que produzimos com competência tecnológica. Eles estão mesmo interessados é no petróleo brasileiro, especialmente na possibilidade de as empresas americanas obterem posição vantajosa na exploração do pré-sal.

Sobre o levantamento das barreiras comerciais já se sabia que Obama traria uma posição favorável, mas cuja eficácia ficaria no plano meramente formal. No que se refere ao sonho estratégico de o Brasil conseguir assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o sentimento de apreço manifestado está longe de significar assentimento. Talvez o que se pode traduzir de prático na visita seja cooperação na área de segurança para que o Brasil possa ter mecanismos reais de monitoramento dos grandes eventos como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

As tecnologias americanas de inteligência policial podem ser de enorme valia para que o País possa enfrentar a sistemática crise de segurança pública e conferir caráter mais científico aos métodos das nossas organizações policiais. O melhor da visita de Barack Obama ficou por conta do comportamento da presidente Dilma Rousseff. Certamente, ao abandonar os vícios ideológicos do terceiro-mundismo do seu antecessor e propor diálogo mais objetivo, a primeira-mandatária demonstrou pragmatismo diplomático no que se refere à realização de negócios e personalidade política em um encontro onde preponderaram os simbolismos.

A presidente Dilma demonstrou ao visitante ilustre que simpatia é quase tudo, mas não paga conta. Se é que vai haver novo parâmetro na relação bilateral Brasil-Estados Unidos, que a pauta passe pelo etanol, o aço e o suco de laranja.

Demóstenes Torres é procurador geral de Justiça e senador (DEM-GO)

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