domingo, 1 de maio de 2011

Artigo: Demóstenes no jornal Tribuna do Planalto


O combustível do fracasso

O governo federal adquiriu o Veículo Aéreo Não-Tripulado, um dos mais modernos equipamentos de combate ao crime no mundo. O Vant é capaz de registrar uma placa de veículo em alta resolução mesmo a 5 mil metros de altura. A tecnologia é a mesma utilizada no combate ao terrorismo em Israel, ou nas intervenções no Oriente Médio. Porém, mesmo há mais de um mês no Brasil, o avião não conseguiu registrar nem mesmo a facilidade com que os motoboys traficam armas e drogas vindas do Paraguai. O motivo é simples: falta gasolina para a aeronave.

 
A vantagem estratégica que um equipamento de tamanha tecnologia daria ao Brasil no combate ao tráfico de drogas é automaticamente anulada pela falta de competência administrativa do poder público. Instalado em um aeródromo perto de Foz do Iguaçu, o Vant iria desarticular a principal porta de entrada para armas e entorpecentes no país. Para tanto, não foram poupados investimentos, ou simples promessas. Até 2015 serão R$ 540 milhões gastos com a tecnologia.

 
Depois das fotos e das inaugurações pomposas, o Vant está no chão. E lá permanece porque não há fornecedor de combustível para a Polícia Federal na região e ninguém se inscreveu para o pregão eletrônico. O preço da gasolina é irrisório comparado com o volume investido no avião: R$ 60 mil por trimestre. Assim como também é irrisório o valor do delivery de um revólver e munição adquiridos pela Folha de São Paulo no Paraguai e transferidos para o Brasil por motoboy nesta semana, R$ 130. A arma e a munição saíram por cerca de R$ 800.

 
O resultado dessa conta macabra pode ser aferido nos mais de 50 mil corpos das vítimas de homicídio no país todos os anos. Num momento em que governistas tentam ressuscitar plebiscito, os números tendem a desconstruir a figura mítica de que a arma no cidadão de bem é o primeiro passo para o crime. Dos 16 milhões de armas que circulam no nosso território, 7,6 milhões são ilegais, segundo dados do Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal. Muitas delas fabricadas no Brasil e enviadas para o exterior, retornando posteriormente, como a da reportagem da Folha.

 
O problema da violência não se encontra no cidadão de bem, mas no mesmo dilema que impede o Vant de trabalhar contra a criminalidade: a falta de prioridades do governo federal. Fosse o combate ao tráfico de armas e de drogas ponto crítico no entender da presidente Dilma Rousseff, a aeronave estaria no ar. Estivessem os governistas preocupados com o número de crianças que morrem vítimas das armas ilegais que entram no país, não teriam cortado R$ 32 milhões para operações da Polícia Federal no combate ao tráfico, enquanto consomem todos os anos cerca de R$ 100 milhões em cargos de alta confiança no governo federal. Se comparados ao total de vagas da companheirada, tanto os 32 quanto os 100 milhões são dinheiro trocado.

 
A questão vai além das cifras e atinge as raias do método. A Presidência da República e seus apadrinhados ignoram a situação calamitosa das drogas no país. Muitas vezes, apelam para os comentários e soluções estapafúrdias como a sugestão de criar cooperativas para o plantio de maconha, aventada recentemente por líderes petistas. Enquanto isso, o plano nacional de combate ao crack não sai do papel, deixando à própria sorte milhares de jovens que vivem como zumbis pelo Brasil.

Administrar um país não é apenas apresentar vitória eleitoral como benção popular para experimentações questionáveis. Não, o poder emanado pelo povo é para o povo. Em cada ato administrativo, o governante deve levar em consideração o cenário real vivenciado pelo país e deixar para os publicitários a visão de um paraíso tropical protegido de todos os males. Principalmente porque é o cidadão comum que, invariavelmente, acaba se deparando com um cano de revólver no rosto.

Demóstenes Torres é procurador geral de Justiça e senador



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