A dignidade refém da ideologia
Demóstenes Torres
A presidente Dilma Rousseff preparou um presente para o colega Fernando Lugo durante a visita ao Paraguai, marcada para 15 de maio: a aprovação do projeto que triplica o valor pago pela energia elétrica produzida em Itaipu. O mimo bancado à custa dos nossos trabalhadores tem como justificativa oficial o fortalecimento das relações bilaterais e a regularização fundiária e migratória dos 200 mil brasileiros em território paraguaio. Fora dos microfones, a generosidade com o dinheiro público é tratada como o pedágio ideológico do governo.
A cortesia com o chapéu do povo triplicará o valor que o Brasil paga pelo excedente paraguaio. Segundo estimativas do próprio governo, a cifra subirá de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões anuais. Projetando esse valor pelos próximos 12 anos, período de validade do acordo, os cofres públicos serão extirpados em US$ 2,8 bilhões. São sete vezes mais recursos que o destinado para o enfrentamento do crack e três vezes mais do que o orçamento inicial para colocar todas as crianças em escola de tempo integral.
A urgência solicitada pela presidente na análise da proposta no Senado em nada tem a ver com os interesses do país, ou com a situação de risco vivenciada por brasileiros no Paraguai. A generosidade patropi mais uma vez tem a raiz ideológica, a mesma que custou ao erário R$ 22 milhões destinados pela Agência Brasileira de Cooperação, uma fundação do Ministério das Relações Exteriores, à entidade presidida primeira-dama petista de El Salvador, Vanda Pignato, ou ainda a tolerância desenfreada com os desmandos da Bolívia em relação ao patrimônio da Petrobras, sem contar os agrados aos ditadores africanos.
O risco de vida para os brasileiros, no entanto, é real. Desde abril de 2008 ocorreram violentas invasões de propriedades rurais pertencentes a brasileiros pelo Movimento dos Sem-Terra do Paraguai. O MST fake é o que fornece sustentação ao governo Lugo, presidente que tem boicotado a regularização das propriedades de brasileiros do outro lado do rio. O motivo é simples: sem aumento no preço pago pela energia da hidroelétrica, os brasileiros não terão vida digna no vizinho. E o Brasil aceitou pagar a fatura.
A relação de Lugo com os chamados movimentos sociais extrapolou os limites das fronteiras e da legalidade. O MST brasileiro também aderiu ao pleito do assanhado ex-padre adepto da teologia da libertação e participou de protestos contra o atual valor pago pela energia elétrica de Itaipu, inclusive distribuindo propaganda favorável ao reajuste entre militantes e lavradores da região. A articulação partiu de Marcial Congo, um dos auxiliares mais próximos do presidente paraguaio e militante histórico no MST do Rio Grande do Sul.
A criatura venceu o criador e o governo ficou encurralado pelos movimentos sociais. A chantagem é tão clara que, menos de uma semana após a assinatura da declaração conjunta do então presidente Lula com Lugo indicando o aumento do repasse pela energia, o Paraguai permitiu que 1.130 brasileiros regularizassem sua situação migratória. Outros 468 receberam de imediato documento definitivo de regularização e cerca de 650 outros carnês foram emitidos posteriormente pela Direção Geral de Migrações. Alguns dos beneficiados esperavam o documento havia mais de dez anos.
A facilidade com que a documentação foi emitida após tamanha espera evidencia que não existia qualquer empecilho burocrático ou diplomático para a regularização dos brasileiros – eles eram simplesmente moeda de troca no caso Itaipu. A vergonhosa negociação que triplica o valor pago ao Paraguai pela energia produzida na hidroelétrica não é apenas um acerto diplomático entre duas nações. Os R$ 240 milhões de dólares por ano que serão pagos a nossos vizinhos na verdade não passam de um resgate da dignidade e da segurança dos brasileiros que vivem em território paraguaio. E uma vergonha para o governo brasileiro, se ainda tiver restado alguma.
Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)
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